Quando estamos abertos para ouvir e escutar, podemos extrair lições importantes dos encontros mais inesperados.
Isso aconteceu comigo hoje. Eu estava fazendo as unhas e a manicure, pessoa que conheço há alguns meses e que tem uma conversa fácil e corriqueira, me contava algumas curiosidades de sua família, relacionadas, principalmente, à perda de uma sobrinha, criança ainda, vítima de um câncer fatal.
Segundo ela, depois da morte da menina e de um longo período de luto, toda a família mudou, tanto no comportamento, quanto na forma de pensar.
É que antes disso eles estavam voltados ao TER. Trabalhavam para construir casinhas que alugariam para os outros e se beneficiariam da renda. Era uma maratona familiar que envolvia primos, tios e até parentes mais distantes comprando terrenos, limpando as áreas, poupando para o material, se revezando para os mutirões de construção e assim, a cooperativa familiar ia de vento em popa, até com o crescimento disso em termos de negócios, com um dos primos administrando os mais de 20 imóveis que já haviam conquistado, do chão.
A história começou assim. Eu tenho que confessar que fiquei impressionada. Era um esquema antigo e funcional de trabalho em grupo, envolvendo os membros de um mesmo clã que tinham como objetivo um império para os descendentes! Não interessa se as casas eram de luxo – e não são – ou se os terrenos eram na beira da praia – e também não são – ou se os locatários teriam que pagar milhares de reais pela locação – não, não têm. É tudo bem simples. Tenho certeza de que você já pensou nisso em algum momento, num trabalho cooperativo e por mais que tenha PHD em administração, não conseguiu vender a ideia nem para o seu pai! Para mim, este é o mérito maior: por anos seguidos, conseguir reunir um grupo para uma finalidade única que possibilita que todos trabalhem e todos ganhem. Isso é absolutamente incrível!
Só que… Só que a pequena menina, cujo nome não sei, ficou doente aos três anos de idade, em 2015. Por alguns meses, os olhares mais próximos se voltaram para o tratamento, que não resultou em nada. A doença vinha com uma sentença e era de morte.
E foi o que aconteceu. Em 2016 começou o luto que durou até metade de 2017. Poderíamos pensar que ele se restringia aos parentes mais próximos, avós, pais e tios diretos, só que esse envolveu o grupo. Eles pararam de buscar terrenos, de construir e mantiveram apenas os contratos de locação em andamento.
Tive que interrompê-la para perguntar:
“Por quê?”
“A gente queria deixar as coisas para os filhos, mas percebeu que estava deixando era os filhos de lado. Eu mesma não me lembro de um final de semana de passeio com o meu pai. Era ele que batia as lajes. Todo final de semana tinha muita coisa para fazer. Nunca saímos de férias. O fusca dele não levava a gente para a escola porque estava sempre cheio de material ou de entulho. E isso era com todos os adultos. Nem sei se minha filha vai querer a casa que deixei para ela. Nem sei se ela vai estar viva para usar essa casa. Nem sei se a casa vai estar de pé quando ela crescer. Prá que isso?”
O “prá que isso” que ecoou na minha cabeça e me fez escrever um enorme “prá que isso” no artigo de hoje, porque me lembrei das tantas pessoas que conheço que são tão pobres que só têm dinheiro. Falo daquelas que nem tiram férias, porque têm medo de não estarem na mesma posição hierárquica ao voltar, ou das muitas que mantém suas empresas e não dormem pensando em como pagarão seus funcionários, fornecedores e credores. Falo do trabalho à noite, além da jornada normal e nos finais de semana para manter o cargo. Falo do olhar para o celular a cada som, porque pode ser do trabalho. Falo da escuta vazia de quem ouve uma história familiar e está pensando no que tem que fazer em seguida. Falo dos mil chekups de saúde, que as empresas exigem de seus executivos importantes, para checar se não terão problemas de produtividade por causa de doenças escondidas, ou quem sabe, para ter certeza de que esses corações ainda aguentam mais um esporro e muito mais pressão.
Prá que isso?
Se queremos viver, temos que pensar em vida. Nossa vida é individual, apesar de esbarrar no coletivo. Pensar que você trabalha para deixar seus descendentes em situação confortável, não é abnegação, nem mérito, é uma baita desculpa para não viver plenamente.
Porque a vida é feita do minúsculo e constante agora e ele exige um SER e nunca um TER.
Já estou pronta para discutir com seu EGO GIGANTE que conversa comigo enquanto você lê. Ele diz:
“Tá, mas se a gente não trabalhar não pode nem se divertir! E precisamos de coisas mínimas, de casa, de comida, de remédio, de segurança, de transporte. Se eu não trabalhar nem a internet para ler esse artigo eu tenho!”
Tudo bem, EGO GIGANTE, mas é só isso. SÓ ISSO. SÓÓÓÓÓ ISSSSOOOOOOOO!!!!!!!!
Não são duas casas. Não são comidas raras que dependem de esforço e importação. Não são os planos de saúde do Rei da Pérsia. Não são os guardas da Rainha da Inglaterra. Não são dois carros para você não ter que ir de transporte público no dia do seu rodízio.
Este planeta tem absolutamente tudo o que precisamos, as mais importantes, gratuitamente (ar, água, energia, calor, alimento, espaço), inclusive gente, que, se organizada, é capaz de suprir continuamente a necessidade própria e alheia.
“Mas isso não acontece! Temos que matar um leão por dia!”
Não, não temos. Escolhemos fazer isso e duvido que ainda haja leão hipotético a ser morto, dada a quantidade de humanos tentando fazer isso, sem parar. Não estamos matando leões, estamos matando uns aos outros, amiguinhos.
Minha manicure e sua família, nenhum deles com formação superior, nem diplomas de Mestres Ascensionados, descobriram, empiricamente, que é possível viver. Mais ainda: descobriram que precisavam de muito pouco para viver. Além disso, descobriram que não há o menor sentido em viver para o futuro, em fazer mil exames de saúde para prevenir o que quer que seja.
Finalmente: essa gente simplérrima e com o coração pensante percebeu que quer muito viver. Entendeu o quanto querem viver bem o agora e que se dane se o filho, o neto e o bisneto terão ou não um patrimônio, porque soltaram-se dessa incumbência de prover o que não existe ainda e focaram no que está acontecendo nesse exato momento.
Bem, naquele momento ela estava fazendo minhas unhas e me perguntando se eu conhecia alguém que precisa de uma casinha de 4 cômodos, do outro lado da estrada. Eles repartiram as propriedades e cada um está vendendo a sua.
Quer comprar?
Seja Luz!